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Para quê serve a divulgação científica em tempos de pandemia?

Mais do que nunca, precisamos falar sobre métodos científicos e a importância da divulgação científica no contexto de pandemia

Mais do que nunca, precisamos falar sobre métodos científicos e a importância da divulgação científica no contexto de pandemia

Seguindo uma crescente tendência mundial de disseminação de teorias conspiratórias, facilitada pelo uso de redes sociais como o Whatsapp em campanhas de desinformação, a divulgação de dados científicos foi também impactada pela pandemia. Já em maio de 2021, com o crescimento no número de dados disponíveis, o obstáculo é exatamente esse: a desinformação gerada pela grande quantidade de ideias que são facilmente colocadas em circulação. Somada a essa realidade, existe um outro efeito orgânico do processo de geração de conhecimento científico e de desenvolvimento de novos métodos e tecnologias que é o grande nível de especialização dos pesquisadores. Isso, mesmo que comum, promove um maior distanciamento entre a origem do conhecimento – os cientistas – e a população.

Assim, o espaço criado por este distanciamento é preenchido por outros membros da população, que, na maioria das vezes, não têm o conhecimento necessário para fazer a ponte ciência-sociedade, propiciando a disseminação de informações equivocadas, seja propositalmente ou não. Dessa forma, o papel do jornalismo científico se torna imprescindível, uma vez que, no contexto atual, um especialista não se define por quem tem mais conhecimento, mas quem sabe obter as informações mais acuradas e mais eficientemente, considerando o obstáculo apresentado. Além do mais, o jornalista científico tem o papel de atingir os diferentes fragmentos da internet e suas bolhas sociais com informações específicas de forma rápida e clara, para que a pessoa leiga acompanhe as novidades científicas mais de perto, evitando assim que os dados sejam perdidos ou distorcidos. Deste modo, o jornalista científico preenche este importante nicho com o potencial de afetar positivamente a sociedade em diversos aspectos.

Antes de tudo, a maioria da população não tem acesso ao método ou à linguagem científica. Este cenário se complica uma vez que poucos membros da comunidade científica realizam o trabalho de conexão com pessoas leigas e de tradução do conhecimento adquirido de forma imparcial. Essa situação pode surgir por diversos motivos simultâneos tais como, a pressão nos cientistas por produtividade e pela especialização que faz com que poucos tenham o interesse ou tempo disponível para aprender técnicas para comunicar sobre ciência. Além disso, a falta de incentivo das instituições e das agências de financiamento a projetos multidisciplinares e de transferência de conhecimento promove ainda mais distanciamento entre as áreas de especialidade.

Todos estes problemas levantados são ainda mais exacerbados durante tempos de emergência sanitária mundial. Devido à falta de contato da população com a ciência, o próprio conceito de ciência vem sendo utilizado irrestritamente durante a pandemia, inclusive para pequenos estudos sem revisão dos pares ou mesmo em textos e vídeos que expressam opiniões pessoais. Adicionalmente, as constantes mudanças de posicionamento das autoridades governamentais quanto à gravidade da pandemia de Covid-19 e das medidas de restrição deterioram ainda mais a confiança pública. No contexto atual, a população leiga interage apenas com o final do processo científico e se depara com a frase “os cientistas dizem...”. Porém, a falta de interação com a trajetória das descobertas científicas induz as pessoas a pensar que qualquer indivíduo pode usar sua opinião como evidência e, até mesmo, criar seus próprios métodos de testagem de suas hipóteses, disseminando informações potencialmente falsas e prejudiciais

Ademais, ao comparar a palavra do cientista com a opinião de alguém conhecido, é compreensível que haja mais confiança na informação vinda de alguém próximo, mesmo que esse alguém não tenha base científica para suas opiniões. Desta forma, o jornalismo científico tem o papel de incluir as pessoas leigas no entendimento das etapas científicas, tanto traduzindo o conhecimento quanto disponibilizando o material necessário para que cada pessoa possa aprender autonomamente, criando assim, um ambiente em que a ciência não continue a ser uma autoridade abstrata para a sociedade.

No Brasil, notadamente, muitos políticos são fontes e agentes de desinformação, utilizando a confusão da população como estratégia de controle. Em diversos momentos durante a pandemia, as instituições oficiais não tiveram interesse em disponibilizar - ou efetivamente omitiram - os dados necessários para desenvolver políticas públicas, vigilância epidemiológica e acompanhamento da situação de populações vulneráveis. O ápice e símbolo desta falta de transparência do governo, tanto com a comunidade científica quanto a leiga, se deu com a incerteza em torno da realização do censo demográfico em 2021. Nesse cenário de escassez de dados, os jornalistas científicos têm a função essencial de pressionar as autoridades e criar os canais de comunicação com a população leiga, com os líderes de movimentos populares, com os coletivos e organizações não-governamentais a fim de obter dados realistas e de analisar a conjuntura de uma forma sensata.

Por fim, uma grande parte do jornalismo tradicional durante a pandemia repete as narrativas circulantes, porém não projeta inovações, cria, ou aprimora novas técnicas de comunicação com a sociedade leiga. Dessa forma, os jornalistas científicos trazem a possibilidade de criação de novos caminhos, trazendo conhecimentos e perspectivas alternativas de forma imparcial e baseada na ciência. É importante enfatizar que, apesar de o jornalismo científico traduzir dados científicos de forma eficiente e acessível para os leigos, ele não detém a verdade absoluta. Um importante papel do jornalista científico, em tempos comuns e em tempos de pandemia, é também instruir a população sobre a natureza da acumulação de conhecimento através da ciência, que busca a verdade, mas ocorre de forma impermanente, para assim não aumentar a distância entre a ciência e as pessoas e contribuir para restabelecer a confiança nas instituições científicas.