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A pandemia escancara que é preciso mais uma abolição

Grande parte dos grupos mais impactados pela pandemia são compostos por negros. A pandemia escancara, com uma clareza quase didática, que é preciso mais uma Abolição.

Grande parte dos grupos mais impactados pela pandemia são compostos por negros. A pandemia escancara, com uma clareza quase didática, que é preciso mais uma Abolição.

Hoje, dia 13 de maio, data o aniversário da promulgação da Lei Áurea, assinada em 1888 pela princesa Isabel, concedendo “liberdade total” aos escravizados no Brasil. Nesse dia simbólico, é importante relembrar que o início da construção da desigualdade correspondeu à chegada dos europeus ao país e ao processo de colonização do nosso território, baseada no tripé: latifúndio, escravidão e monocultura.

A principio, a justificativa colonial que fundamentava a escravidão era religiosa. No entanto, com o avanço do cientificismo, surgiram os conceitos de darwinismo social (uma tentativa de aplicar a teoria da seleção natural de Darwin às sociedades humanas) e de eugenia (um conceito que defende a ideia da “boa origem”, visando a seleção social) que passaram a ser usados como fundamento para a escravidão e a discriminação racial. A construção desta ideologia racista foi essencial para que houvesse a naturalização da hierarquia entre as “raças” e, assim, manter as raça branca no poder.

No final do século XIX, com a derrocada do sistema escravista, o Brasil sancionou a Lei Áurea, no entanto, a abolição da escravidão foi seguida por um processo de negação e marginalização dos lugares sociais aos ex-escravizados. Nesse cenário, medidas de inclusão da população negra como acesso à educação, à moradia, ao emprego e à saúde não foram implementadas. Ao invés disso, o país incentivou a imigração de mão de obra europeia e asiática na tentativa de apagar a marca escravocrata do país. Essa política racista submeteu grande parte da população negra a posições subalternas, a trabalhos informais com baixa remuneração e a moradias precárias. Infelizmente, as escolhas políticas feitas a partir daí reverberam até hoje, aumentando o abismo da desigualdade socio-racial no país.

Em tempos pandêmicos, não é uma coincidência que a primeira vítima fatal de Covid-19 no Brasil foi uma mulher negra de 63 anos de idade, trabalhadora doméstica que contraiu a doença após o contato com seus empregadores recém-chegados da Itália. O peso simbólico dessa morte deixa evidente a manutenção do silêncio das instituições públicas perante a falta de direitos e garantias para a população negra que, no cenário de políticas tardias e controversas de combate ao vírus, resultaram em índices alarmantes de mortes, ampliação do mapa da fome, sobrecarga dos sistemas de assistência, de abastecimento e de saúde, principalmente nas classes mais baixas.

Desde o início da pandemia, o Dr. Deivison Faustino, professor pesquisador da UNIFESP e integrante do Instituto Amma Psique e Negritude, apresenta a seguinte reflexão sobre esse panorama: "o racismo estrutural na saúde se revela por uma divisão desigual de acesso, pelo tratamento desigual dentro do sistema e também, principalmente, pela invisibilidade das desigualdades raciais na hora do planejamento das políticas e ações de saúde” (entrevista dada ao site ABRASCO em março de 2020).

A pandemia tem demonstrado cada vez mais as consequências de séculos de ausência de políticas de Estado voltadas à população negra. Com o avanço do impacto da doença, estas pessoas são continuamente marginalizadas, tratadas pelo governo como subcidadãos e dotadas de menos direitos sociais, o que impede o desenvolvimento igualitário comparável a outros grupos étnico-raciais do Brasil. Desde desigualdades na educação (com criancas e jovens sem recursos para acompanhar o ensino remoto) até o aumento da fome (decorrente da diminuição da renda dos trabalhadores informais), grande parte dos grupos mais impactados pela pandemia são compostos por negros. Assim, a pandemia escancara, com uma clareza quase didática, que é preciso mais uma Abolição.